Para A Melhor Mãe do Mundo, A Vida é Bela!
- Felipe Moreira Santos

- 16 de ago.
- 2 min de leitura
Assisti (e recomendo) ao novo filme da diretora Anna Muylaert (Durval Discos, Que horas ela volta?). No ótimo A melhor mãe do mundo, temas áridos enfrentados na sociedade brasileira, como a violência doméstica e a luta por moradia, são mostrados com a maior das delicadezas, fabulístico, mas sem discurso infantil. Gal, a protagonista interpretada pela magnífica revelação Shirley Cruz, foge da violência doméstica do namorado com os filhos pequenos em sua carroça de coleta de materiais recicláveis. Gal busca abrigo pela cidade de São Paulo construindo uma narrativa fantasiosa para os filhos: eles estariam vivendo aventuras, como em um jogo.

Percebi a semelhança de argumento ao recordar o filme A Vida é Bela, dirigido e protagonizado por Roberto Benigni em 1999, que (para tristeza geral da nação brasileira) venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro (hoje com a nomenclatura “filme internacional”), derrotando o consagrado Central do Brasil. No filme italiano, o protagonista Guido também constrói uma narrativa para suavizar as angústias da dura realidade do holocausto dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. No filme italiano, a separação da família e os trabalhos forçados no campo de concentração são amenizadas por Guido ao filho Giosué simulando fases de um jogo.

Em ambos os filmes, percebo ilustração do ajustamento criativo dos dois protagonistas. Ajustamento criativo é um termo técnico da Gestalt-terapia que refere-se ao processo pelo qual a pessoa mantém sua sobrevivência e crescimento, operando seu meio sem cessar ativa e responsavelmente, provendo seu próprio desenvolvimento e suas necessidades físicas e psicossociais¹. Gal e Guido usaram de muita criatividade para amenizar o sofrimento de seus filhos, e tiveram de fazê-lo rapidamente, uma vez que as situações de tensão ocorriam sem tréguas ou cumplicidades.
Obviamente há conveniências nas duas histórias. Trata-se de arte, de roteiros cinematográficos. Porém a arte inspira-se na vida e vice-versa. A criatividade é fundamental em qualquer processo terapêutico, uma vez que o setting constitui-se lugar para reconfigurar, ressignificar aquilo que precisa ser observado e, consequentemente, transformado. Longe de exibir respostas ou um roteiro para amenizar nossas existências, a psicoterapia é espaço de inspiração e reflexão na construção de ajustamentos criativos saudáveis.
¹ D’Acri, Gladys. Lima, Patrícia, Orgler, Sheila. Dicionário de Gestalt-terapia “Gestaltês”. 2.ed. São Paulo. Summus Editorial.


Comentários